quarta-feira, 4 de junho de 2014

PALAVRAS CUSPIDAS

Houve um tempo em que pensei que as palavras brotassem de mim. E quando penso nisso, lembro da aula de biologia e do xixi na garrafa que, acreditaram, gerasse vida. Geração espontânea. Mas nada é espontâneo.

Eu era ainda menino e, no meu mundo de timidez e dúvidas, encontrava conforto somente em me sentir especial por conseguir cuspir palavras juntas que juntas pareciam aludir a qualquer coisa: um sonho, um desejo, um medo, um castigo.

Lembro bem que naquele tempo, como todo garoto, eu tinha meus super heróis prediletos. E sempre como todo garoto, na minha fértil imaginação, passava dias a me sentir um deles. Sem capa, espada ou telecinese, meu super poder era escrever. O que viesse em mente, o que me serrava os olhos, o que era incompreensivel pra boca dizer.

Crescendo, continuei a cuspir palavras. Escrevia porque acreditava saber escrever e basta. Juntava sonoridades e sentidos, o que não fazia disso mais do que cuspir. E fui cuspindo até um dia engasgar e sentir cada palavra arranhar minha garganta e furar minha língua. As palavras passaram a ter sentido ou descobri o sentido que sempre tiveram.

Formei-me jornalista pelo desejo de contar histórias. Não demorou para que eu me frustrasse ao perceber que mais encantadoras que as histórias poderiam ser a palavras escolhidas para contá-las. O tempo ajusta as coisas e também não demorou pra eu que entedesse que somente as boas histórias levam às melhores palavras. Palavras que por sinal nunca estão na superfície - tem que se buscar no fundo: dos fatos e da vida.

As palavras sinceras, aquelas que realmente dizem, não brotam. São palavras arrancadas pelo desejo de manifestar a intensidade da dor ou da beleza, da indignação ou do orgulho, do ódio ou do amor, daquilo que nos faz ser mais do que um punhado de carne e sonhos.