segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Doses de verdade







Tem sido sempre mais raro, mas existem aquelas manhãs carregadas de verdade. Bem cedo, a luz que atravessa a fresta da janela parece fazer força para entrar, range a madeira, como se acumulada lá fora e, tal qual massinha de brincar que você aperta violentamente com as mãos, a verdade explode entre os dedos, as frestas. Explode querendo se esparramar num espaço dela vazio, meu quarto, eu. 

Hoje me embriaguei naquele feixe de luz que quis me alimentar antes do primeiro café, que bebo com duas colheres de açúcar. Só que veio amargo, como pra me lembrar que adoro adoçar verdades. Adoro, por exemplo, dizer que existem muitas vidas possíveis. E existem sim, mas a maneira de vivê-las se resume a decidir ou não decidir convictamente e, consequentemente, sustentar as decisões ou não decisões convictas. Os indecisos são apenas platéia e apoio. Na sua existência limitada, cabe a eles apenas assistir, nos dois sentidos da palavra. 

Levanto-me num salto e quase arranco a cortina para tentar abrir a janela inteira, num único ato cheio de ânsia, desespero e ainda sono. A luz entrou de uma vez e me cegou, não vi mais nada. 
São pequenas as doses em que se revela a verdade. 

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