segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Doses de verdade







Tem sido sempre mais raro, mas existem aquelas manhãs carregadas de verdade. Bem cedo, a luz que atravessa a fresta da janela parece fazer força para entrar, range a madeira, como se acumulada lá fora e, tal qual massinha de brincar que você aperta violentamente com as mãos, a verdade explode entre os dedos, as frestas. Explode querendo se esparramar num espaço dela vazio, meu quarto, eu. 

Hoje me embriaguei naquele feixe de luz que quis me alimentar antes do primeiro café, que bebo com duas colheres de açúcar. Só que veio amargo, como pra me lembrar que adoro adoçar verdades. Adoro, por exemplo, dizer que existem muitas vidas possíveis. E existem sim, mas a maneira de vivê-las se resume a decidir ou não decidir convictamente e, consequentemente, sustentar as decisões ou não decisões convictas. Os indecisos são apenas platéia e apoio. Na sua existência limitada, cabe a eles apenas assistir, nos dois sentidos da palavra. 

Levanto-me num salto e quase arranco a cortina para tentar abrir a janela inteira, num único ato cheio de ânsia, desespero e ainda sono. A luz entrou de uma vez e me cegou, não vi mais nada. 
São pequenas as doses em que se revela a verdade. 

terça-feira, 4 de junho de 2013

Quase viver, jamais

Há um ano quase morri. Volante, sono, árvore, fratura no pescoço, erro médico, cirurgia: quase morri. Provavelmente quase morri muitas vezes, como a maioria de nós que um dia já atravessou uma rua correndo. Mas dessa vez foi um quase bem mais quase. Lembro que aos 8 anos por muito pouco não fui atropelado. Retorno da escola, avenida, chevrolet branco, frenagem brusca: por pouco. O carro rodou na pista e voei. Mas não saí voando pelo impacto e sim pelo susto mesmo. Dei um salto olímpico e dali corri sem querer ver o circo armado, coisa de pivete. E pensando bem, contar as quase-mortes pode ser útil pra caramba. Pois na minha matemática devo mantê-las sempre superiores às vezes que quase vivi. Quase viver é já estar podre antes do último suspiro, é sorrir sem alma, é o desencarno do sonho. Às vezes me cobro por não viver tudo a fundo. Mas quando penso que me permiti e me permito viver coisas que nem estavam no meu itinerário, vejo que vivo o que tenho que viver e arrisco naquilo que nem seria, vivendo uma totalidade improvável, que pode ser curta, mas jamais um "quase". Viver o que nem se deveria viver é viver mais. É também arriscar mais. Mas jamais é quase viver.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

É guerra

O dia começa. Que reuna-se o batalhão de horas que quer ver meu fim. Terá de ser exército numeroso e audaz, como sempre. Queimarei cada soldado desse tempo com meu fogo. Vou acreditar que danço um tango com eles, mas é guerra. Porque cada minuto não há de ser de paz se a vida grita pedindo resgate. Dirão que essa é guerra perdida. Tolo quem se amortece na crença. Não aceite jamais. Pois a vida é luta e não seria vida se luta não fosse. Viver não é apenas lutar, fácil seria se o fosse. Viver realmente é vencer. Cada segundo.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Manhã que rasga


Tem gente que vive leve. Eu, intenso. Pra uns os raios de sol da manhã acariciam a pele suavemente. Pra mim, as manhãs invadem a carne, estupram sentidos, renovam a saliva da boca. Porque mais um dia significa sede e fome do que não se sabe, fermento de desejo, rabisco de sonho, mais um.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Viver pra sempre

Tem quem creia fervorosamente em Deus, tem quem em nada crê. Eu sempre fui de crer em tudo e em nada ao mesmo tempo - assim a vida se faz mais curiosa, misteriosa, instigante. Mas se tem algo em que creio sem pestanejar o nome disso é gente. Afinal, a morte virá. Se vamos continuar em espírito ou parar por aqui, é coisa a se descobrir. Já as pessoas da nossa vida... Ah! Essas continuam e continuam
os com elas, mesmo depois de não estar mais aqui. 

Ou seja: se existe com certeza uma vida após a morte, somos nós nos outros. São nossos vestígios, nossas palavras de amor armazenadas nos peitos, as memórias de momentos únicos, os beijos de sabor eterno, as gargalhadas em locais impróprios, os ombros amigos, os abraços de verdade, os conselhos sinceros, os silêncios que acolheram e as presenças que fizeram diferença. Você pode ter medo, mas percebe que não morre de verdade quando se surpreende ao ver pedaços seus nos outros. Um jeito de olhar, uma idéia tão sua, uma palavra que só você usa em momentos muito específicos, um sorriso maroto que você arquitetou e que de repente descobre vestido na cara de outro (e surpreendentemente melhor que em você). Traços seus que vão continuar a ser compartilhados, vividos, acolhidos por gerações. 

De repente, você compreende que o segredo da vida eterna é tão simples, está justamente no que há de melhor nessa nossa delicada vida passageira. O segredo de viver pra sempre reside no amor e na amizade.

Amar é para os fortes

Tudo é complexo, mesmo que fantasiado de desejo, no difícil e doce exercício de aceitar alguém na sua vida. Afinal, isso interfere diretamente (e com a nossa autorização) não só na nossa rotina, mas também na sua existência. Algo de uma complexidade que sonha ser simples como é o sentimento que o nutre. Namorar, casar, conviver, de verdade e com entrega, é para os fortes. 

NÃO RIA DO CABELO DE DEUS





Tá se preparando pra cair aquele pé d'água em Belo Horizonte. Aí divago e lembro das incontáveis vezes que já ouvi gente se referindo a inundações e chuvas torrenciais, terremotos e tsunamis (ou qualquer outro desastre natural) como frutos da ira de Deus. Sinceramente é o tipo de palhaçada que não suporto. É triste demais ligar a TV e ver quantas vidas se perdem, por exemplo, em soterramentos por conta das chuvas. E aí entra uma discussão social, política e econômica. Mas, sobretudo, são mazelas naturais que representam uma resposta ao modo "sem modos" como a gente trata o mundo onde vive. Dizer que é Deus tendo chilique é rir do cabelo Dele (que, aliás, deve ser fantástico, sedoso e cacheado e com efeito, sim, de comercial de xampu feminino).

Gente, Deus é um cara muito polido, gentil. É um cara tão bacana que cada saudável minuto nosso de vida é uma gentileza divina concedida. E se você tá aqui lendo isso é porque já viveu bastante pra aprender a ler, a se conectar e a ficar horas no Facebook... então bota minutos de vida nisso aí. O Deus "malvadão" e vingativo é discurso antigo de igreja que hoje tem como única função usar ignorância como esterco pra adubar contas bancárias em paraísos não divinos, mas fiscais.

Aprenda com Deus e seja polido você também. Pra quem acha a palavra pouco usual, ela tem a ver com gentileza e cortesia. Seja polido, mas pouco sóbrio. E sobriedade no sentido de comedimento, parcimônia, reserva. Sempre em nome de Deus muita gente tenta continuamente dizer o que se pode e o que não se pode fazer. Se você for do bem, Deus vai se divertir vendo você viver sem moderação. Viva e deixe a chuva chover.