quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Percurso




E foram muitos os quilômetros percorridos, as horas de olhar perdido pela janela, as páginas rabiscadas com sonhos de absurdo. E foram-se cantos e folias. Com longos beijos, percorreram-se bocas e ruas vazias. Amores foram arquitetados, apagados, abafados. Perderam-se sorrisos no caminho pra dar lugar a outros e qualquer estrondosa gargalhada. 


Lágrimas enxugadas, desejos saciados, frustrações não digeridas. Foram-se. Nos ocorridos do ano, no álbum do aconteceu, na memória afetiva e nas cicatrizes, na gordura do corpo e dos músculos gastos, tanto e tanto. Tanta vida vivida. Que vívida e ávida permanece sedenta, com este louco desejo por se carbonizar no fogo das pequenas e grandes histórias que mantêm acesas cada partícula de mim.  

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Rio, muito prazer


Quando me mudei pra Roma, Carrie foi uma grande professora de italiano. Foi quando decidi ver em oito dias todas as temporadas de Sex and the City concentradas. Acabei dormindo menos de três horas por dia pra cumprir a tarefa. Valeu, pois a minha Carrie italiana bem dublada nunca mais saiu da minha cabeça e nem do meu vocabulário.

Pra curtir meus últimos dias de morador do Rio, aproveitei a manhã de hoje e pedalei de Copa ao mirante do Leblon. E curti a cidade chuvosa (pois merece ser amada mesmo em dias assim). E pensei o porquê de sofrer com o abandono dessa paisagem e dessa atmosfera. Pois o Rio é sobretudo isso: paisagem e atmosfera. Avaliei ainda o quanto gosto de BH, mas porque BH é minha família, são meus amigos. BH não é uma cidade, mas um endereço de gente que amo. Amo o espaço pelo amor que nele conservo e isso já é o bastante pra garantir felicidade ali.

Confesso: fiz amigos maravilhosos e especialíssimos no Rio, gente que entrou na minha vida para nunca mais sair. Mas o Rio não se ama pelos amigos. Ou não só por isso. Até porque, aqui a maioria (admitam!) são amigos de praia, amigos de rua, amigos do espaço aberto que a cidade oferece e que enreda numa união ou em encontros que dependem quase sempre dela, a cidade. É isso: “Nos vemos”... na praia, no calçadão, de frente a, por aí. Rio é o lugar e os amigos uma consequência geográfica. A cidade se torna o verdadeiro amigo em comum que todos têm e que a todos une.

Fiquei amigo do Rio, amigão. Por isso lembro de Carrie e de como explicava sua relação com NY, que influenciava no humor, nas relações, nos desejos, no sexo, na vida. Exatamente como hoje é para mim e para grande parte dos que no Rio vivem ou viveram. Sobre esta cidade, diria a minha Carrie Bradshaw dublada: “Non è logica, è amore”. 


Pois é, Rio. Foi um imenso prazer. 

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Sigo vivo

À parte as voltas que o coração dá (e o meu, especialmente, não me dá trégua), a vida é uma montanha-russa da qual não tenho medo. Assusta, sim. Mas diverte, faz chorar pra depois rir, brinca com os sentidos e se movimenta como quem dança uma inteira noite de repertório vasto, do bolero ao can-can, da valsa ao chá-chá-chá. Que vida doida é essa que graças a Ele não é sem graça. Não sei nunca o que é tédio. É porque sigo vivo.

sábado, 20 de agosto de 2011

Festa na favela


"Sinto-me como uma favela desabitada: confuso e vazio". 

Houve um tempo que sonhei escrever um livro cuja primeira frase seria essa. Felizmente, frases, como sonhos, mudam, tornam-se escolhas. Hoje pareceria estranho, mesmo que em ficção, escolher algo que não sou, que não posso. Estou repleto de tudo e de mim mesmo, feliz por ser tanto sendo simplesmente isso aqui. Impossível não sentir que vibra em mim plenitude. Confuso? Essa permanece indelével marca de quem vive para o que vier. Meu livro? Será escrito. E vivido. Até porque estou povoado de palavras com sede que querem beber sentido em mim. Uma frase só não basta pra sonhar. 

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Um lugar em MAIO


Mãe é sobretudo um lugar.
O primeiro e também o de sempre. Lugar que protege e envolve, que se estica com formidável e elástica magia, acolhendo-nos desde o primeiro dia e no tempo - a nós e nossos excessos. Lugar generoso a mãe, que te deixa livre para ser também de todos os outros lugares, mas que permanece seu: sua praia deserta, sua montanha em neve, seu lago sereno, seu campo florido. Pois todo lugar que você conhece na vida passa a fazer parte de você. Mas somente a mãe - útero e amor - é o único lugar ao qual verdadeiramente pertencemos.

domingo, 24 de abril de 2011

Pequena poesia para a ressurreição

Ressurgir, ser novamente, retornar.
Ser criança mais uma vez e adulto se puder - e velho só e simplesmente se me esquecer de renascer do que fui até há um instante.

Cada minuto germina a próxima hora que faz coçar toda partícula de tudo querendo despontar fagulha.
Cada pedaço de vida vivida pode ser semente do que você ainda será. E serei.

Nasço e morro todo dia e no intervalo escrevo o que a vida me sussurra dizendo que viver é morrer os medos, é morrer os sonhos, é morrer segredos.
Reviver é acreditar de novo, redescobrir-se em planos, é quebrar espelhos.
Seios fartos renascem maternos.

Os lábios da boca de ódio ontem mordida encontram em seguida motivos pra incontrolavelmente sorrir de besteira.
Asneira morrer tão somente. 
Ressurge.

sábado, 12 de março de 2011

A janela da casa amarela


Era uma janela.
Não uma qualquer, importante dizer. 

Certos dias se vestia de cortina, bandô, babado.
E tantas vezes se via despudoradamente nua, cheia de vontade de luz e olhar de gente da rua.
Nas noites mais quentes, se abria sem medo de ladrão, granizo ou vizinho. 
Como era fogosa aquela janela que adorava carícia de vento.
Como era curiosa com tudo lá fora: cachorro de rua, conversa de esquina, casal se pegando no muro. 

Generosa janela de vidros transparentes.
Houve um tempo, era tão vaidosa por tudo que deixava escapar lá de dentro.
E escapava cantoria, cheiro de bolo saindo do forno, som de festa, de riso, de vidro quebrando.
Houve um tempo.

Hoje, não abre pra briga de casal na calçada, pra batida de carro e nem serenata.
Não abre pra deixar sair o cheiro de mofo ou pra que alguém se pendure nela e repare que a grama do jardim já cresceu demais. 
Anda fechada, como o corpo dela.
O corpo, a casa hoje amarela, a casa que adoeceu. 

Carnal janela que perdeu a vontade de ser o que é.
Que desejou 102 tijolos pra virar parede.
Que tentou esquecer que não é cicatriz, mas abertura. 
Que fechada, não é só o corpo que sofre. 
Sofre a alma. 
Abre janela, abre. 

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Erre

Roma, RioRetorno rindo. Rebelde e radiante, rumo rotas raras, racionalmente recriadas e redimidas. 
Roma, RioRetorno reconfortado, reconquistando,
reconstruindo. 
Refazer, reedificar, reinventar. Reco-reco, rabada, requeijao, rocambole, rum e reza. 
Roma, Rio. Recomeço e redenção.