segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A vida numa palavra




Dia desses entendi do nada, assim meio que sem querendo, que as vidas são como as palavras. Palavras ditas, não ditas, reprimidas, silenciadas, ousadas, tímidas, loucas, equilibradas, rimadas, estranhas, erradas, justas, equivocadas. Claro que sim, cada vida é isso tudo, e diz, e comunica. Ou deixa de comunicar mesmo dizendo.


Estranho não ter pensado isso antes, não ter compreendido que minhas palavras são minha vida e que o contrário não seria estranho de se justificar. Vida de dizer que vivo, de dizer que amo, de dizer que nada. Mais que isso: vida que sonha ser tanto além. Ser frase, texto, livro, enciclopédia e biblioteca. Que sonha ser zilhões de significados acumulados e embolados, ser tantos sentidos e sonoridades, só pra se sentir importante. E que no fim, sonhando isso tudo, quer mesmo e tão somente ser uma palavra. Apenas uma. A palavra certa.


Pois é. Minha vida são palavras. Todas, mas sonhando ser uma só. Só não consigo escolher qual. Aquela que condensada, abreviada e soletrada vai dizer tudo de mim. Tudo que quero de mim.


Dia desses e por longos dias, tinha escolhido AMOR. Errei. Ou pronunciei errado, acho. Mas ainda não achei palavra melhor.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

ELA, MINHA MÃE



A estação do ano era incerta e lá fora fazia um calor ameno. Mas dentro daquele salão de baile, o clube dançante mais concorrido da cidade, a temperatura era alta – tanto quanto a idade dos frequentadores. Terceira ou melhor idade, aposentado, pensionista, avó, viúvo, divorciada duas vezes, solteirona, malandro de velha data. São tantos os rótulos pra dizer de gente que, acima de tudo, é vivida.

Entre as mesas recuadas e espremidas contra a parede (tudo pra deixar o maior espaço possível para a dança), imperam os grupos de amigas. Ex-donzelas que sustentam suas belezas de vida madura ali, sorridentes ou ansiosas, vestidas e maquiadas entre o “quero ser sexy” e o “não tenho mais idade pra certas coisas”. Sentadas, espelhinho na mão, entre um gole de cerveja e um retoque no batom, arrumam o cabelo, consertam o vestido no corpo, escondem na bolsa os óculos-de-ler-cardápio, comentam sobre “aquela” que agora está com “aquele” e, absolutamente, esperam um convite para dançar.

E não é que no meio de tanta moça já grande, enfim, chega ela. Entra, beijinho nas amigas, senta um minuto, mas nunca esquenta cadeira. Não aguenta, diz que a música é boa, não pode ficar parada. Levanta, olha em volta, não tem ainda um parceiro, mas quem se importa? Rebola, sorri e rodopia pelo salão acompanhada de uma alegria toda sua. Sapato alto, decote, vestido que marca a cintura e cara de levada, diz para as outras: “Vem, menina!”. E ri de si mesma e da sua comportada provável loucura. Se seguem tantos convites e galanteios. Tantos sorrisos para ela, a presença mais fascinante da sala da noite dançante. Onde passa, ela deixa um perfume doce no ar, aroma delicado de um passado que não machuca. Ela, que diferentemente do calor ameno da noite lá fora nunca amenizou sua vontade de seguir, de viver e de dançar. Ela, Mônica.

(14/05/2009)


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Alegria do divã



Não sei mais o que sou.

No olhar de criança o problema senil
Na ruga profana o sentimento infantil
Do entusiasta que canto, o pessimista calado
Por trás do senso do justo, o ódio embutido
Da crença divina, o mundo chorado

Palavra ou vírgula
Samba ou marcha fúnebre
Perfume ou mau odor
Não sou nem fruto maduro pra apodrecer?

Se não sei bem o que sou, então sou a própria dúvida
A alegria do divã, a criança que em pesadelo chora pela manhã

Se não sei o que sou, talvez seja mera vontade de ser
Talvez nem concreto, perfídio desejo de viver

Um rio que só corre sem saber
Rio que não chegou ao mar
De tudo o incompleto
Canção de quem um dia vai cantar

Talvez o futuro
Talvez creia em mim
Talvez quem sabe logo
Um talvez que terá fim.


(Ainda do caderno velho, ainda com 15, ainda mais inocente. Como era bom rimar e sonhar que encontraria a resposta...)

Tanto




Tantos fatos, modos, mundos.
Pessoas felizes e imortais como aquele comum
que me esbarra o ombro ao atravessar a rua.
Mulheres belas e nem por isso burras.
Seduções, flertes, amizades.
Corações, procuras, orgasmos, loucuras.
Crianças que nascem nuas
e que com a carne exposta não são nem no mínimo impuras.
Impuros nos tornamos pelas vestimentas.
Canções e melodias.
Procissões, fé, crenças, romarias.
Mulatas sambando pela avenida.
Corpos sangrando pela favela.
Tantas coisas além de mim que nunca vou parar de escrever.
Tantas palavras sem fim quanto as que ainda me falta aprender.


(Achado num caderno velho, escrito aos 15, com a delicadeza de uma inocência que um dia foi minha)