domingo, 26 de dezembro de 2010

Saudade de fim-de-ano



No fim de um ano, a saudade que compreende ser ainda saudade é meio como um foguete que não explode no primeiro minuto do dia primeiro. Ela é intensa nesse período, a saudade, porque grita de expectativa, como um beijo guardado, um abraço não dado, o cesto de flores arremessado nas águas para Iemanjá e que não sabemos se vai voltar com a maré.


No fim de cada ano, a saudade aperta porque aperta a vontade de que num novo ano a saudade deixe de ser saudade. Passe a ser realidade e volte à sua condiçao de apenas alento temporário, unha comida, vontade de novamente.


No fim de tudo, saudade nunca quer ser saudade. Quer sair logo da sua condição de existência. E, como passagem, ser logo linha de chegada e recomeço.


É, a saudade de fim-de-ano é mais intensa e verdadeira. Porque saudade ama contar horas e minutos, mesmo morrendo de medo de ser eterna. Ama reparar nos dias, entristecer com as noites e sonhar com as possibilidades da manhã do amanhã. Ama porque vence a maldade do tempo sonhando com um tempo que firmou no olhar, que congelou dentro de si.


Saudade de fim-de-ano dói, porque contando os dias, meses e anos, saudade espera não ser mais espera. Deseja ser apenas o reencontro, o molhado de novo do beijo, o calor daquele abraço apertado, a oferenda florida tragada e aceita pelo mar. Saudade quer mesmo é ser fogo de artifício e explodir sim, como num céu de Copa à meia-noite, queimando o ar e a si mesma, brilhando em milhares de pedaços flamejantes e efêmeros, como os minutos que tolerou sendo o que era sem querer ser.


Feliz Ano Novo. De saudades saciadas e de novos motivos pra ter tantas saudades. 

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Meu ano 7

Final de ano e começam os delírios místicos e astrológicos. Hoje acordei e, antes mesmo de tomar o café, já estava me perdendo em meio aos números e previsões para 2011. Talvez seja efeito de estar à beira dos meus 34 anos. Faço a banal soma: 3+4=7. Decido fazer as contas para o meu ano pessoal e...7. Ótimo sinal. Afinal, o sete é considerado um número sagrado e mágico, repleto de simbologia e fundamental em todas as teogonias, filosofias e religiões desde a mais remota antiquidade. Resolvi escarafunchar nos meus sete arquivos e encontrei uma crônica que publiquei em 07/07/2007, data que marcou a única aparição tripla do 7 no século XXI.  


É sábado, meu dia preferido entre os sete da semana. Acordo tarde, pois já basta levantar às 7h, de segunda a sexta. Soneca, um gato que tenho há sete anos (tão preguiçoso quanto o mais lento dos sete anões da Branca de Neve), chama a minha atenção para a janela do quarto, onde ele pinta o sete despreocupadamente, ignorando os riscos de viver no sétimo andar (o que não parece ser mesmo um grande problema para alguém com sete vidas).

Lá fora, uma chuva ralinha, atípica no inverno, cai enquanto o sol, um dos sete planetas da astrologia clássica, faz força para se abrir. Ao fundo, surge um arco-íris, dos grandes, com suas sete cores bem nítidas. Coisa bonita de se ver, não fosse essa dor de cabeça. Creio que é a ressaca daqueles sete drinks de ontem. Para melhorar, me ensinaram, basta pressionar a testa no ponto do terceiro olho ou anja, um dos sete chakras do corpo. Mas, com a aguda cantoria matinal da minha vizinha, acho difícil a dor de cabeça passar. Ela possui um dos sete atributos fundamentais de Alá: a potência. Nesse caso, vocal. E consegue usar, no tom mais alto, cada uma das sete notas musicais. Nada pior para começar o meu dia. Essa senhora, que mais parece a personificação das sete pragas do Egito, de uma só vez, me faz cometer, antagonicamente, dois dos sete pecados capitais: a ira e a preguiça. Afinal, apesar da raiva e da cabeça latejando, não tenho ânimo sequer para levantar da cama.

Talvez eu abra a Bíblia e leia os sete salmos da penitência. Talvez, mais tarde, ligue a TV. E nesse caso, só preciso decidir entre a novela das sete e a cerimônia de escolha das sete novas maravilhas do mundo. Fico com a segunda. Mas, e se o Cristo não vencer? Por via das dúvidas, talvez eu saia de casa e pegue um cineminha. Em cartaz, a continuação do Quarteto Fantástico. Alguém me disse que o filme é bacana, mas que falta alguma coisa. Óbvio que falta: eles são quatro ao invés de sete...

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A casa só



A dor de estar só começa no ruído de cada manhã
Com a porta que bate sozinha com o vento
Com o travesseiro que dormiu sem fronha no armário

A dor de estar só permanece na mesa servida pra um
No sofá de deitar cada vez mais largo
Na planta da janela que secou sem alarde

Falta tanta coisa na casa que agora é só
Falta cada pedaço de vida do mosaico desse chão
Falta parede com rabisco e janela que se esqueceu aberta
Faz frio na cozinha e em mim.


(Foto - Il soffio blu. Autor: Roger Libório)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Escolhas

O perdedor nato não perde por fazer escolhas erradas. Nada disso. Perde, tão somente, por não fazer escolha alguma. Confunde, coitado, a vida real com aquele mísero modelo de vida que porta dentro de si. 
Escolher é sempre uma vitória. 

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Aqui



Sou o silêncio das palavras que se repetem,
a fresta da velha porta de madeira que nos separa de um quarto iluminado.

Aqui, serei sempre uma parte, um suspiro, uma suspeita.
Aqui, sou uma possibilidade que parece óbvia.
Aqui, não se engane, sou a simples equação desse jogo humano e espelhado do que você espera que eu seja e do que sou só para você.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A vida numa palavra




Dia desses entendi do nada, assim meio que sem querendo, que as vidas são como as palavras. Palavras ditas, não ditas, reprimidas, silenciadas, ousadas, tímidas, loucas, equilibradas, rimadas, estranhas, erradas, justas, equivocadas. Claro que sim, cada vida é isso tudo, e diz, e comunica. Ou deixa de comunicar mesmo dizendo.


Estranho não ter pensado isso antes, não ter compreendido que minhas palavras são minha vida e que o contrário não seria estranho de se justificar. Vida de dizer que vivo, de dizer que amo, de dizer que nada. Mais que isso: vida que sonha ser tanto além. Ser frase, texto, livro, enciclopédia e biblioteca. Que sonha ser zilhões de significados acumulados e embolados, ser tantos sentidos e sonoridades, só pra se sentir importante. E que no fim, sonhando isso tudo, quer mesmo e tão somente ser uma palavra. Apenas uma. A palavra certa.


Pois é. Minha vida são palavras. Todas, mas sonhando ser uma só. Só não consigo escolher qual. Aquela que condensada, abreviada e soletrada vai dizer tudo de mim. Tudo que quero de mim.


Dia desses e por longos dias, tinha escolhido AMOR. Errei. Ou pronunciei errado, acho. Mas ainda não achei palavra melhor.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

ELA, MINHA MÃE



A estação do ano era incerta e lá fora fazia um calor ameno. Mas dentro daquele salão de baile, o clube dançante mais concorrido da cidade, a temperatura era alta – tanto quanto a idade dos frequentadores. Terceira ou melhor idade, aposentado, pensionista, avó, viúvo, divorciada duas vezes, solteirona, malandro de velha data. São tantos os rótulos pra dizer de gente que, acima de tudo, é vivida.

Entre as mesas recuadas e espremidas contra a parede (tudo pra deixar o maior espaço possível para a dança), imperam os grupos de amigas. Ex-donzelas que sustentam suas belezas de vida madura ali, sorridentes ou ansiosas, vestidas e maquiadas entre o “quero ser sexy” e o “não tenho mais idade pra certas coisas”. Sentadas, espelhinho na mão, entre um gole de cerveja e um retoque no batom, arrumam o cabelo, consertam o vestido no corpo, escondem na bolsa os óculos-de-ler-cardápio, comentam sobre “aquela” que agora está com “aquele” e, absolutamente, esperam um convite para dançar.

E não é que no meio de tanta moça já grande, enfim, chega ela. Entra, beijinho nas amigas, senta um minuto, mas nunca esquenta cadeira. Não aguenta, diz que a música é boa, não pode ficar parada. Levanta, olha em volta, não tem ainda um parceiro, mas quem se importa? Rebola, sorri e rodopia pelo salão acompanhada de uma alegria toda sua. Sapato alto, decote, vestido que marca a cintura e cara de levada, diz para as outras: “Vem, menina!”. E ri de si mesma e da sua comportada provável loucura. Se seguem tantos convites e galanteios. Tantos sorrisos para ela, a presença mais fascinante da sala da noite dançante. Onde passa, ela deixa um perfume doce no ar, aroma delicado de um passado que não machuca. Ela, que diferentemente do calor ameno da noite lá fora nunca amenizou sua vontade de seguir, de viver e de dançar. Ela, Mônica.

(14/05/2009)


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Alegria do divã



Não sei mais o que sou.

No olhar de criança o problema senil
Na ruga profana o sentimento infantil
Do entusiasta que canto, o pessimista calado
Por trás do senso do justo, o ódio embutido
Da crença divina, o mundo chorado

Palavra ou vírgula
Samba ou marcha fúnebre
Perfume ou mau odor
Não sou nem fruto maduro pra apodrecer?

Se não sei bem o que sou, então sou a própria dúvida
A alegria do divã, a criança que em pesadelo chora pela manhã

Se não sei o que sou, talvez seja mera vontade de ser
Talvez nem concreto, perfídio desejo de viver

Um rio que só corre sem saber
Rio que não chegou ao mar
De tudo o incompleto
Canção de quem um dia vai cantar

Talvez o futuro
Talvez creia em mim
Talvez quem sabe logo
Um talvez que terá fim.


(Ainda do caderno velho, ainda com 15, ainda mais inocente. Como era bom rimar e sonhar que encontraria a resposta...)

Tanto




Tantos fatos, modos, mundos.
Pessoas felizes e imortais como aquele comum
que me esbarra o ombro ao atravessar a rua.
Mulheres belas e nem por isso burras.
Seduções, flertes, amizades.
Corações, procuras, orgasmos, loucuras.
Crianças que nascem nuas
e que com a carne exposta não são nem no mínimo impuras.
Impuros nos tornamos pelas vestimentas.
Canções e melodias.
Procissões, fé, crenças, romarias.
Mulatas sambando pela avenida.
Corpos sangrando pela favela.
Tantas coisas além de mim que nunca vou parar de escrever.
Tantas palavras sem fim quanto as que ainda me falta aprender.


(Achado num caderno velho, escrito aos 15, com a delicadeza de uma inocência que um dia foi minha)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

PAREDES NUAS






Nasci pequeno e não cresci muito, o suficiente. Cresci com minha mãe me acordando à noite, conferindo a respiração - trauma de quem não suportaria perder outro menino. Cresci estranho, tímido, criativo. Cresci saudável, hiperativo, escrevendo. Sozinho. De uma cidade para outra, perdendo amigos, ganhando paisagens. Pedalando onde houvesse asfalto e silêncio. Pra quebrar o vazio, walkman e trilhas sonoras de filmes que hoje já perderam espaço na Sessão da Tarde. Nos pés, improviso. Nos olhos, horizontes perdidos e imaginários. Muitos sonhos ainda não saíram de um caderno antigo guardado com zelo. Sonhos agarrados à tinha da bic azul há 15, 20 anos. De lá pra cá, novos sonhos furaram fila e outros foram substituídos por coisa maior; muitos por trabalho, tantos por amor. Cresci querendo amar um amor romântico. Queria e amei assim, um dia, muito. Amei como se amor fosse ar, comida e água. Amei por anos até secar a fonte. Sequei junto cavando a última gota, migalha, suspiro. Até descobrir outras fontes, de amor e do resto.


Hoje continuo sedento, mas cedendo. Abrindo brechas para sorrisos que não estavam no meu itinerário; criando espaços para que minha ansiedade se dilua e se acomode e preencha as trincas profundas do chão que sustenta meus pés geralmente descalços. Estou mais nu do que nunca e, por isso, mais frágil e leve. Definitivamente melhor. Alguns cacos de mim, recolocados, pedem mais do que cola. Quero, aqui, ainda assim, arriscar dizer que estou inteiro. E, inteiro, peço aos meus amigos desculpas pela minha inconstante condição de companheiro constante. Só não peço desculpas pelo que sinto. Pois bem sabem os meus reais amigos: quando sinto, somente sinto e não há mais nada nas paredes.

domingo, 26 de setembro de 2010

Lampejo



Peregrino. Desesperadamente peregrino. Em busca, cercando, provando, tentando. Tantos gerúndios só para intensificar a palavra saudade. Que dói, corrói e fica. E os olhos correm, miram tudo, rodopiam. Se fundem no mundo de imagens do mundo, para no final ver sempre a mesma coisa. Ver o que se quer e não se tem mais. Ver o vazio da cama, do braço, do beijo, do sorriso que luta aflito para existir. Ver vazio o lampejo de vida que parece que resta. Enxergar que a vida é sopro pequeno, sereno em noite quente, estrela cadente que no final é só desejo. Um único desejo.  

(Roma, 4 de setembro de 2006)
Foto - Roger Liborio

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A Peste


Às vezes penso que a vida seria mais fácil sem o amor.
É sim, a vida seria mais prática, mais homogênea, sem sobressaltos ou enganos.
O amor tem a mania de sabotar nossos planos individuais, nossos sonhos de criança, nossos desejos secretos e egoístas.

A verdade é que o amor é um parasita.
Suga nossas energias, monopoliza nossa atenção, manipula nossas ações e, sem pedir, tira de nós o que achávamos que tínhamos de melhor e transforma em seu.
É uma peste, um vírus, uma sina, uma merda.

Afinal, quem se reconhece quando ama de verdade? 
O amor toma conta de tudo o que temos: liberdade, orgulho, vontades, certezas.
Tira-nos o chão numa rasteira só.
Rouba-nos o equilíbrio, sufoca nossas idéias.
Torna-se nosso único meio, riqueza e miséria, fome e alimento.
Ganha a grandeza da nossa vida
e faz dela ordinariamente pequena.

Enfim, o amor estraga tudo o que somos e nos pertence
ou apenas acreditamos ser e ter.
É a privação alucinante de qualquer idéia coerente de existência lógica.
Mil amarras de cem mil nós que se restringem a cada único beijo.
Praga que faz sorrir enquanto corrói cada pedaço de dentro.

Comigo, fez tudo o que não deveria.
Ainda é tudo o que eu menos queria. .
Mas, mesmo assim, de tudo resta uma absoluta certeza : 
Só tenho a agradecer por amar. 

domingo, 19 de setembro de 2010

A verdade, o amor e o relacionamento




O pior inimigo de uma relação a dois é a verdade. E que fique claro que não estou falando de sinceridade, mas de pura e cruel verdade. E também não estou falando de amor, mas de RELACIONAMENTO. Pois quase todos confundimos, fundimos ou misturamos esses dois conceitos: amor e relacionamento. O amor é a verdade absoluta que não precisa ser dita. O relacionamento são as verdades cotidianas que deveriam permanecer caladas, para sempre.


Amar é dizer com os olhos. Manter um relacionamento saudável é calar a boca.


Afinal, saber manter um relacionamento é mais importante do que amar. Quanta gente simplesmente não consegue viver com aquele que mais ama pela mera, inexplicável e insuperável incapacidade de viver a dois? E, na maior parte das vezes, isso acontece porque aquilo que se diz afasta o outro, não aquilo que se cala.


FALAR, FALAR, FALAR. Dizer cada coisa que incomoda, abrir todos os baús, expurgar todos os fantasmas, listar todos os defeitos, queixar todos os incômodos, detalhar um por um os sonhos desfeitos, abrir cada porta que parecia não ter chave, puxar os panos para enxergar o que há debaixo, dizer prós e contras. Enfim, discutir o relacionamento. É O COMEÇO DO FIM.


Fim do amor? Que nada! O amor será apenas uma vítima sobrevivente. Pois o coração segue sangrando, à margem. Mas segue, ainda que ferido, depois que língua o apunhala. O que não sobrevive é a vida a dois. Pois um relacionamento saudável suporta tudo, menos a verdade.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Fugaz





Sinto um vazio batendo fora. Um vazio de imagens que não fazem sentido, de tempo que se acumula num canto do quarto marcando a parede como mofo. Vulgar receptáculo de vivências sem sentido, acumulador de experiências que não se encaixam, aglomerado de retalhos de vida não-costurados. Sinto-me assim. 


Procuro um cigarro; como eu queria um dia não ter engasgado e aprendido a fumar. Pois nesse vazio que me devora é que sinto ainda mais a cabeça girar, mais do que engolir fumaça.  


Que agonia danada. E sabe o que me deixa louco? É que no fim das contas, olhando toda essa "acumulança" de histórias repartidas e que empilhadas ganham status de vida, acabo percebendo que é justamente essa mistura desconexa que vale. Ao menos pra mim. Múltiplos pedaços de vida são múltiplas escolhas de vida - e não necessariamente escolhas erradas.  


A cabeça torna a rodar, desvairada, por justamente perceber que é essa coisa toda que presta afinal. 


No fim de tudo, nada vale nada a não ser pelo tempo que lhe foi dado.  O tempo das coisas boas de se lembrar, o tempo com que fizemos amor sem pensar, o tempo que não foi calculado mas que somou. Tesouro absoluto dos prazeres profundos de ser simplesmente fugaz.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Friday I'm in love




Amanhã é sexta. Dia de amigos, de amores indecisos, de faltas de juízo e, absolutamente, de loucos desejos neonatos de fim-de-semana. 

É quando começa aquela vontade de língua na orelha, de rede num quintal, de almofadas limpas no chão, de dedo enrolando cabelo. Vontade de gente, de muita gente, de multidão. Mas pra rapidinho ter vontade de um cantinho pra escapar do povo todo. Vontade de sossego e tesão, é isso. E  também vontade de ficar sem palavras de surpresa,  vontade de mesa, de sonhos e de inumeráveis outras coisas várias e simples e bestas. É na sexta que nasce aquela vontade incontrolável de ter o lábio inferior mordido va-ga-ro-sa-men-te. E de por isso assoprar palavras fogosas e insanas sem se dar conta. Ah! Uma vontade danada de terminar um livro, um filme ou um carinho sorrindo. É claro: vontade de rir, muita, com o canto da boca ou escandalosamente. Rir simplesmente, só porque é sexta .

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

15 gotas antes de dormir




Um remédio, doutor. Pro tédio, pro tédio. Pra dormir ou pra sair? Remédio pra alma, pra calma, pra trauma, pra vontades de coisas descontroladas que se despedaçam e se juntam e se dividem outra vez e desejam inércia, mas só sabem existir quebrando sequências e ritmos e "gritos de pára" que no fundo só querem gritar "quero mais". Remédios, por favor. Pra viver e nem pensar que a vida é um antídoto bom demais de envenenar.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Filtro é poder


No final, é a gente que controla. 
Não o que acontece na vida da gente, mas o que vale a pena acontecer, o que vale a pena ser assimilado como acontecimento. Se acontece algo ruim mas não assimilo, o corpo nem sente, a mente nem processa.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Como boldo pra alma

Mandei minha alma fazer um workshop com meu fígado. Decidi que ela vai aprender a depurar toxinas e reconstituir-se cada vez que alguém arrancar um pedaço.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Qual o momento mais feliz da sua vida?


Era carnaval. Meus olhos pareciam vermelhos pelo suor que escorria da testa e terminavam por salgar minhas pupilas dilatadas, mas não era. Meus olhos que se esbugalhavam famintos de ver cada pedaço de tudo estavam vermelhos de amor. Na verdade, eu era todo um vermelho só. Inflamado numa emoção por amar minha vida tanto e tanto. Eu não me amava mais fazia tempo. E ali, dançando enquanto o sol esburacava de luz a manhã, eu me senti vivo e mais nada. Eu não estava com medo, e como eu me amava por isso.

Qual o momento mais feliz da sua vida? Era a pergunta seguinte a Nome completo e Idade num questionário esquisito para um emprego temporário como figurante em um programa televisivo do Canale 5, em Roma. "Que pergunta é essa?", pensei, antes de ser catapultado lá atrás, quando eu tinha 15 anos e meu pai me deixou dirigir o seu velho opala branco 1979 pela primeira vez.  Que lembrança boa e como fui feliz naquele dia. Só é estranho eu ter que regressar tantos anos pra me lembrar de um momento assim, que mereça dizer "mais feliz". Depois disso, devem ter existido outros milhares que me deixassem em dúvida sobre qual seria "mais". Será que simplesmente apaguei ou decidi não aceitar que eu fui e podia ainda ter momentos de felicidade extrema nessa vida? Momento amargura, era esse meu momento naquele trem.

Eu e mais cinco pessoas éramos os passageiros do quinto vagão do Superstar, indo de Milão para Roma. Acho que no inteiro trem, fora eu, toda a gente lia ou dormia um sono que parecia sem sonho. Esperando processar a resposta inoportuna do questionário, corri os olhos sobre a paisagem que fugia janela afora. Tudo com cara de frio e de poucas palavras. Um espantalho sozinho na plantação já colhida. Tentei firmar a vista, mas tudo se movia depressa demais. Ainda mais velozes eram as palavras que não faziam parada em mim. Vi uma cascata linda e ela sumiu sem que eu decidisse uma palavra pra dizer linda.

Afinal, quando foi a última vez em que fui "mais feliz"? Pensei no que me fazia falta, além da risada da minha mãe. Pensei nos quase dois anos sem voltar ao Brasil e nas coisas que deixei de viver ali desde que me transferi para Roma. Pensei na última vez que dancei, e me veio tão clara a imagem daquele meu último carnaval antes de partir. Em Salvador. Foi ali.

domingo, 8 de agosto de 2010

Bundalelê do amor



Vontade de importância.
Acho que é isso que move uma outra nossa vontade: de ser amado. Afinal, é a partir do momento que decidimos o grau e o volume de importância que queremos receber e dar a alguém que, consequentemente, classificamos a coisa como amor. Se eu te amo é porque já decidi sua importância pra mim - importância essa que vai definir níveis de entrega, de convivência, de suportação, de adoração, de desejos desavisados e desenfreados compromissos. Basicamente, amo você porque você é importante pra mim e quero ser importante pra você. Vontade de importância é se atentar a pequenos detalhes pra fazer grande diferença. Mostrar para o outro, a cada dia, que ele é mais do que pensa ser ou realmente é. E, incontáveis vezes, abaixar para que a visão panorâmica da vida seja o privilégio do amado. Claro, fazer tudo isso na esperança e desejo convicto de que o outro faça o mesmo por você. Do contrário, entrará em vigor a lei "bundalelê". Pois restará a você somente a desimportância de ser um mero traseiro exposto. Tese que explico usando uma frase de minha mãe: quem muito abaixa mostra a bunda. Simples palavras de verdade absoluta.

Olhar rimado



Dia desses, ele cismou de ciumar. 

Cismou, de cisma sem nome, que ela, vendo um outro rapaz, cimentou o olhar. Cimento armado, olho vidrado, foco milimetrado, sem piscar pra não perder. Os olhos-só-pra-mim que antes eram dele, coitado, estavam encabulados de coisa que ele não podia entender.

Justo aquele cabra arretado, cheio de um ciúme danado, terminou paralisado e o olhar dela escapado, tão vadio e descarado, decidiu logo esquecer.

É que ele tinha cismado, de cisma sem nome, que o seu olhar mais cimentado, aquele bem caprichado, seria pra sempre dela. Mesmo sem ela querer.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

No hospital



Teclo em silêncio 
e rompe a escuridão do quarto do hospital apenas a luz fria do monitor do laptop. O silêncio, que aqui é obrigatório, sempre me incomodou. É que nele se propagam mais agudas as minhas infinitas vozes. Aqui dentro, na mudez das horas que esperam cura, elas se agitam. É que elas, as vozes, sabem que nasceram pra isso, pra romper silêncio. Nasceram pra ser qualquer coisa de rumoroso, tipo um pedido. Ou conselho, declaração e desculpa. Um grito. Ou apenas ruído, uma oração. E esse emaranhado de vozes que sonham corda vocal não cansa de tentar embarque clandestino nos vagões das palavras que reservaram passagem pra partir de mim.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Tempo de espetáculo



Enxergar o fim para viver o meio. Para realmente viver, apropriar-se da idéia de que um dia a gente morre. Morder essa idéia, mastigá-la nem vagarosamente, nem com tanta pressa. E enfim, digerir. 

Pois é na plenitude da consciência de que um dia o nosso ato acaba que podemos reunir o melhor das forças pra atuar sem outros medos menores - de errar a fala, de esquecer o texto, de não ganhar o aplauso. A cortina se fecha, isso a gente já sabe. O melhor a fazer é se esparramar nesse palco e fazê-lo seu, território seu, num espetáculo seu, enquanto durar. 

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Escolha múltipla



Antes de sumir meu texto, que era muito mais inspirado e claro, resolvi perguntar a você: quantas vidas podemos ter? Hoje, você acorda e mais tarde volta para a mesma cama. Mas tem certeza de ser o mesmo, aquele que levantou e deitou, com a mesma vida em exercício? Quantas vidas giram em torno da vida que tentamos ter? Só porque lutamos por uma unidade, pra soldar nossas realidades e criar algo que seja coerente, quem disse que somos um? Porque nossa vida é aquilo que somos. E quem disse que conseguimos soldar qualquer coisa? Imagem desesperada de ser algo único pra talvez abafar as infinitas vozes que nos dizem sermos muitos. Na verdade, temos tantas vidas e somos tantas possibilidades. Variadas e diversas. A rotina que padroniza em série, ajuda a uniformizar. Abranda. Mas não te dá o que é seu. Somos tantos e concentrados, num mar de possibilidades e realidades paralelas. E é tão ruim assim? Pra mim, entender que eu e a vida somos múltipla escolha é um bem. Correr verdadeiramente os olhos sobre a nossa prateleira pessoal de vidas e tentar encontrar aquela cujo sabor é o predileto pode não ser algo fácil, mas é possível. Todas as vidas, nossas possibilidades de concretude, estão ali, nos pertecem, são nossas, somos nós. Melhor que viver a vida ideal é viver o melhor e a melhor das vidas possíveis.

Textos ao vento



Idéias mudam: você, conceitos, contextos. Idéias servem pra germinar, fazer andar, mudar, crercer. Idéias movem coisas com a mente, não se alarmem parapsicólogos. É a verdade. E por que meus textos somem quando deveriam se multiplicar? Alguém aí? Contra mim?